Cirurgia
Na DII

DOENÇA INFLAMATÓRIA DO INTESTINO

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Cirurgia na DII

Uma vez que a maioria dos doentes de Crohn precisarão de se submeter a uma cirurgia num determinado momento das suas vidas, é importante perceber porque é que uma operação poderá ser necessária. Nalguns casos as cirurgias destinam-se a complicações graves da doença, noutros são executadas para indicações eletivas. As complicações que requerem cirurgias urgentes são geralmente hemorragias abundantes, perfuração do intestino, obstrução intestinal, formação de abcesso, ou megacólon tóxico (dilatação e perda de tonicidade do músculo no cólon). Se uma destas complicações ocorrer, a decisão de operar deve ser tomada rapidamente. A cirurgia eletiva na doença de Crohn pode ser indicada quando os tratamentos médicos falharam no controlo de sintomas como a dor, a perda de peso, febre ou fadiga excessiva, ou quando os efeitos secundários dos tratamentos se tornam intoleráveis. Nestes casos, o seu gastrenterologista ou o cirurgião poderão informá-lo sobre de que modo a cirurgia irá alterar o curso da sua doença, a que operações poderá ser submetido e o que pode esperar após a operação. A cirurgia faz parte do tratamento contínuo nos doentes de Crohn. Não é uma cura para a doença, mas pode aliviar as suas complicações. Assim, tem como objetivo conservar o intestino e dar ao doente a melhor qualidade de vida possível. Quando uma pessoa com a doença de Crohn vai ser operada, é importante que os médicos envolvidos tenham conhecimento dos medicamentos que ela toma. O tratamento do doente é um trabalho de equipa, que inclui o cirurgião, o anestesista e o seu médico assistente. Por exemplo, um doente que toma corticoesteróides deve continuar a tomá-los via endovenosa depois da operação. O cirurgião e o gastrenterologista devem determinar quem irá controlar a medicação após o período operatório.

A nutrição desempenha um papel importante, já que a inflamação associada à doença de Crohn pode causar diarreia e má absorção. Uma nutrição adequada pode evitar que o doente perca peso, pelo que se torna fundamental uma boa alimentação antes da cirurgia eletiva. Com efeito uma boa nutrição permite uma melhoria do sistema imunitário do doente, o que diminui a possibilidade de complicações, tais como as infeções, e até reduz o tempo de recuperação. Recuperar um bom estado nutricional pode não ser possível numa situação de emergência, mas uma nutrição adequada pode ser dada antes de uma operação eletiva (por exemplo, a cirurgia para uma obstrução parcial do intestino que causa desconforto). Frequentemente a nutrição pode ser ministrada através de uma fórmula elementar tomada oralmente ou, caso necessário, por via endovenosa, que permite o repouso total do intestino. Os medicamentos para reduzir a inflamação da doença de Crohn – corticoesteróides, metronidazol, 6-mercaptopurina ou um dos outros agentes imunossupressores, ou ainda o ácido 5-aminosalicílico – também podem ser úteis antes da cirurgia.

O objetivo do procedimento cirúrgico na doença de Crohn é remover a porção ou segmento do intestino afetado que causa sintomas ou fazer uma estricturoplastia, caso se trate de um segmento pequeno que apresenta uma estenose (área mais estreita). A resseção consiste na remoção cirúrgica da parte do intestino afetada unindo os extremos do intestino para restaurar a continuidade intestinal, designada por anastomose. Este tipo de cirurgia não tem como resultado uma ostomia. Os diversos nomes para as resseções cirúrgicas dependem da parte do intestino que foi removida e da anastomose. Por exemplo, quando uma parte do íleo é removida juntamente com o cego (uma parte do intestino grosso), o procedimento designa-se por resseção ileo-cólica (referindo-se às partes do intestino delgado e grosso que estão unidas). Quando o cólon é totalmente removido e o íleo é unido ao reto não afetado, designa-se por colectomia total com anastomose íleo-rectal. Se a doença de Crohn afeta o intestino delgado, pode ter áreas de intestino afetado intercaladas com áreas de intestino em estado normal. Estas áreas “de descontinuidade” são um sinal clássico desta doença. As áreas onde a doença está ativa podem estreitar, acabando por não permitir a passagem das substâncias intestinais. As partes saudáveis do intestino empurram os alimentos contra esta “área estrangulada”, provocando uma dor forte associada a uma obstrução intestinal.

 

Não é aconselhável remover grandes segmentos do intestino delgado, dadas as graves deficiências nutricionais que podem ocorrer. Daí que, para conservar o mais possível o intestino e melhorar a qualidade de vida dos doentes de Crohn, esteja indicada em certos casos a estricturoplastia. Este procedimento alarga a área “estrangulada” sem remover qualquer segmento do intestino delgado. O cirurgião abre o intestino delgado ao longo da área de estrangulamento, fechando depois o corte transversalmente. Há relatos de casos de dilatação do estrangulamento com um cateter “insuflável”, mas o efeito deste método pode ser apenas temporário. Uma cirurgia cautelosa de resseção é uma abordagem alternativa e a opção mais frequente.

 

 O cólon é atingido em apenas alguns doentes de Crohn. A remoção do cólon e do recto (proctocolectomia) com uma ileostomia é efetuada em alguns doentes. Quando o recto e o ânus apresentam fístulas e abcessos, o esfíncter anal pode ser danificado, causando incontinência. Alguns doentes, decepcionados com o insucesso das terapias medicinais e cirurgias localizadas, preferem viver com uma ileostomia, a qual não impede uma vida ativa e normal.

 

 

 

 

Cerca de 25% dos doentes de Crohn adultos têm fístulas ou abcessos. Os abcessos são causados por uma perfuração do intestino formando uma acumulação de pus, flora intestinal e fluidos. Quando o pus forma um canal ou caminho para outra ansa do intestino, ou outro órgão (por exemplo, a bexiga, a vagina ou a pele), cria-se uma fístula. Esta complicação pode ocorrer no abdómen, nas pélvis, ou no tecido à volta da região anorretal. Se um abcesso perfura a cavidade abdominal, a infeção espalha-se rapidamente, causando um quadro clínico grave. É necessária então uma intervenção cirúrgica urgente, no sentido de ser imediatamente executada uma exploração abdominal para drenar o abcesso e lavar a cavidade abdominal. Também pode ser necessária uma resseção do intestino e uma anastomose temporária. Se o abcesso estiver limitado, a infeção espalha-se mais devagar, causando febre intermitente e arrepios, fraqueza geral e dor abdominal localizada. É possível drenar este tipo de abcessos com uma agulha comprida que penetra através da pele com orientação por ecografia ou TAC. Este processo controla temporariamente a infeção e permite uma intervenção cirúrgica mais eletiva. Os abcessos e as fístulas que envolvem a região anorretal devem ser tratados cirurgicamente com muito cuidado a fim de evitar danos no esfíncter anal (se este estiver danificado, pode ocorrer incontinência). Alguns abcessos e fístulas podem ser tratados ainda com antibióticos e imunomoduladores.

 

 

O uso de cirurgia micro-invasiva ou laparoscópica foi recentemente defendido, já que reduz a dor no período pós-operatório e permite uma estadia mais curta no hospital e menos cicatrizes. Este tipo de cirurgia tem sido utilizado tanto para operações eletivas como urgentes. Contudo, esta nova técnica não é recomendada para cirurgia de emergência, pois necessita ainda de avaliação posterior.

Nos adultos, o reaparecimento da doença sintomática com dores, febre, perda de peso e diarreia é de 20% em dois anos após a resseção cirúrgica, 30% em três anos, e aproximadamente 50% em cinco anos. Quando a doença reaparece, é frequentemente no local da anastomose ou ileostomia. É importante relembrar que cada doente de Crohn é um caso individual. Por isso, as estatísticas não devem ser interpretadas como um prenúncio de recidiva. O uso de novos medicamentos, tais como os agentes 5-ASA e imunomoduladores, podem reduzir a probabilidade de recidiva da doença. Por outro lado, a taxa de recidiva varia com a localização da resseção intestinal. Após a proctocolectomia com ileostomia, esta taxa é inferior a 20%.

Os dados sobre as taxas de recidiva em crianças são ainda insuficientes.

A maior parte das recidivas responde favoravelmente ao tratamento médico. De facto, apenas 40% a 50% das recidivas com sintomas recorrentes após a primeira operação precisam de uma segunda intervenção cirúrgica. Por seu lado, uma terceira operação justifica-se apenas entre 10% e 30% dos casos. A cirurgia não é a última opção, mas uma parte do tratamento contínuo do doente. De facto, a combinação da terapia médica com a cirúrgica permite melhorar a qualidade produtiva e de vida dos doentes de Crohn.

Nos últimos tempos, a cirurgia para a colite ulcerosa tem-se desenvolvido a um nível que permite oferecer aos doentes qualidade de vida e uma melhoria significativa. Tal como na Doença de Crohn pode ser urgente ou programada (eletiva).

Algumas complicações, como a perfuração do cólon, uma hemorragia ou o megacólon tóxico, são sinais de que é necessária uma cirurgia de emergência. Qualquer um destes sintomas exige por parte do médico uma decisão rápida e uma intervenção imediata. O tipo de procedimento cirúrgico varia com a condição do doente, mas também com a experiência do cirurgião. Mais adiante abordaremos os processos cirúrgicos.

As indicações para a cirurgia eletiva em doentes com colite ulcerosa incluem sintomas crónicos graves, o insucesso da terapia médica e um acentuado risco de desenvolver cancro de cólon. Devido a este último aspeto, é conveniente uma colonoscopia em doentes com colite ulcerosa há já alguns anos. Neste exame são feitas biópsias, que serão posteriormente analisadas ao microscópio para averiguar se existe uma displasia. A displasia é uma forma de alteração de células que é considerada pré-maligna, isto é, pode ser entendida como precursora de um cancro. A displasia pode ser de grau elevado ou baixo. No primeiro caso, é aconselhável a remoção do cólon e do reto do doente, através de uma ileostomia ou anastomose. Por seu turno, alguns doentes que apresentam uma displasia de grau baixo devem também submeter-se a uma colectomia ou a colonoscopias mais frequentes.

O risco de desenvolver cancro torna-se maior após dez anos de duração da doença. Por esta razão, as crianças cuja doença se manifesta cedo na infância não precisam de vigilância antes da adolescência. Com efeito, o cancro do cólon é extremamente raro entre as crianças.

Antes de ser submetido a uma cirurgia devido a Colite Ulcerosa, o doente deverá informar os médicos (incluindo o anestesista) sobre os medicamentos que toma.

Ao contrário do que sucede na doença de Crohn, em que os doentes podem ter carências de proteínas e calorias, na Colite Ulcerosa, excetuando alguns casos muito graves, é raro haver má nutrição. No entanto, a nutrição é muito importante nos doentes que se submetem a uma terapia cirúrgica para a Colite Ulcerosa. O doente deve estar bem alimentado antes da operação, a menos que se trate de um caso de emergência. Assim, podem ser necessários suplementos orais antes da operação ou até mesmo uma alimentação por via endovenosa.

 O processo mais recomendado é a proctocolectomia (remoção do cólon e do recto), e a construção a partir de uma pequena parte do intestino delgado, de um reservatório ou bolsa, que será ligado ao ânus, para facilitar a cicatrização da bolsa e construir uma ansa temporária de ileostomia, a qual será fechada após seis a oito semanas. Esta operação, mais vulgarmente designada anastomose íleo-anal, substitui a proctocolectomia clássica e a ileostomia permanente. Pode ser executada em doentes de quase todas as idades. Contudo, cada caso é um caso, e os desejos do doente devem ser avaliados e considerados.

A operação é geralmente executada em duas fases, sendo a segunda menos traumática do que a primeira. A primeira parte consiste na remoção do cólon e do recto ao nível dos músculos anais. O íleo (o extremo do intestino delgado) é então adaptado a um reservatório (utilizando cerca de 20 cm do intestino) que vai até ao ânus, ficando ligado a este com suturas ou grampos cirúrgicos. A cicatrização é facilitada graças a uma ansa de ileostomia temporária que evita que as fezes passem para a bolsa. Depois, numa segunda fase da cirurgia, seis a oito semanas mais tarde, a ileostomia está fechada, restaurando a continuidade gastrointestinal e permitindo o funcionamento do intestino através do ânus. É possível fazer esta operação numa só fase, mas os doentes terão de ser examinados e selecionados cuidadosamente.

Após a operação, o doente tem uma média de seis movimentos do intestino por dia. A consistência das fezes varia, mas é na maior parte das vezes mole, quase “pasta de cimento”. Como em qualquer operação, podem existir complicações a curto e a longo prazo. Uma das complicações a longo prazo mais comuns é uma pequena obstrução do intestino que causa dor abdominal forte com náuseas e vómitos. Este problema é controlado em cerca de dois terços dos doentes através do repouso do intestino e da administração de fluidos via endovenosa; contudo, os restantes doentes precisam de uma cirurgia para libertar o intestino da origem da obstrução.

A obstrução é geralmente uma cicatriz no tecido que se forma na cavidade abdominal após qualquer tipo de cirurgia.

Outra complicação a longo prazo consiste na pouchitis, uma inflamação não específica da bolsa. A pouchitis, que ocorre em 30% dos doentes com bolsa, foi originariamente descrita em casos de ileostomia continente (bolsa de Kock) e pode causar sintomas leves ou graves que podem ser agudos ou crónicos. Diarreia, dores abdominais fortes com maior frequência de fezes, e também efeitos sistémicos, incluindo febre, desidratação e artralgias (dor nas articulações) são alguns dos problemas com origem na pouchitis. O problema pode ser controlado com antibióticos, metronidazol ou ciprofloxacina durante três a quatro semanas.

Numa pequena percentagem dos doentes, a pouchitis torna-se crónica e precisa de antibióticos a longo prazo.

O insucesso desta operação, que é aproximadamente de 8 a 10 por cento, exige a remoção da bolsa e a conversão para uma ileostomia permanente.

Apesar de a anastomose íleo-anal ser o tipo de cirurgia mais recomendado, deve ser executada por cirurgiões com experiência na técnica e na patologia do doente.

 

A proctocolectomia e a ileostomia foram o modelo ideal de tratamento cirúrgico da colite ulcerosa até à operação de anastomose íleo-anal. Continua a ser uma alternativa para alguns doentes com colite ulcerosa. O processo inclui a remoção do cólon inteiro e reto com a criação de uma ileostomia permanente (o extremo do intestino delgado é puxado através da parede abdominal, permitindo a drenagem dos dejetos intestinais). É geralmente efetuado numa fase, mas pode ser executado em duas, dependendo da experiência do cirurgião e da condição do doente. Se na altura de uma colectomia abdominal total com ileostomia o reto permanecer no sítio, será necessária uma segunda operação para fazer uma anastomose íleo-retal ou para remover o reto restante e deixar o doente com uma ileostomia permanente. Os indicadores para proctocolectomia e ileostomia são semelhantes às da anastomose íleo-anal. São poucas as complicações daí decorrentes, mas o doente fica com uma ileostomia permanente.

Antes de fazer uma ileostomia (permanente ou temporária), o cirurgião e o enfermeiro da especialidade devem falar com o doente sobre esta operação, o seu local, bem como o estilo de vida a adotar. Ao doente deve ser dada a oportunidade de falar com pessoas que já tenham feito uma ileostomia para que possa conhecer as implicações futuras deste processo na sua vida. O local mais comum para uma ileostomia é o abdómen inferior direito, mesmo abaixo da linha da cinta para o lado direito do umbigo. Isto permite um acesso fácil e facilita a colocação da ostomia, de modo que haja uma interferência mínima com o dia-a-dia do doente. De facto, uma pessoa pode ter uma vida activa, longa e produtiva com uma ileostomia. No entanto, as complicações psicológicas que resultam da alteração da imagem do corpo podem ser um problema. Neste caso, é importante o apoio da família, do cirurgião, dos enfermeiros e de grupos de apoio.

Apesar de haver outros processos cirúrgicos para a colite ulcerosa, hoje em dia são raramente utilizados. Nalguns casos de doentes sem envolvimento retal, o cólon pode ser retirado na totalidade fazer-se uma anastomose no intestino delgado até o reto restante. Contudo, isto sucede geralmente em casos de doença de Crohn, e não de Colite Ulcerosa. Os resultados práticos deste processo não são muito bons. A ileostomia continente (a bolsa de kock), que foi uma operação bastante utilizada antes do surgimento da anastomose íleo-anal, não é uma cirurgia adequada a doentes com colite ulcerosa. Os estudos clínicos sobre a ileostomia continente são contraditórios. Esta operação pode ser uma alternativa para os doentes que já tenham uma ileostomia. Contudo, por ser uma operação tecnicamente complexa, o cirurgião deve ter uma grande experiência a este nível, de forma a reduzir a possibilidade de uma nova operação e baixar a taxa global de insucesso cirúrgico. A resseção apenas da porção do cólon atingido pela doença deve ser evitada devido à elevada taxa de recorrência.

 

As duas principais operações para a colite ulcerosa – a anastomose íleo-anal e a proctocolectomia com ileostomia permanente – podem ser efetuadas através de técnicas laparoscópicas ou micro-invasivas, ainda que as complicações a curto e a longo prazo sejam as mesmas que as da técnica aberta. A resseção laparoscópica é uma nova aproximação cirúrgica e deve ser executada por cirurgiões experientes. A operação pode levar algum tempo, mas tem como vantagens principais menos dor após o período operatório e um período de recuperação mais curto.

Quando o doente é confrontado com a necessidade de uma cirurgia, devem ser utilizados todos os recursos disponíveis para permitir que ele tome a decisão correta. Com o apoio do cirurgião e do gastrenterologista, deve ser planeada uma operação que garanta uma melhoria do estado de saúde do doente. O doente deve falar com pessoas que já tenham sido submetidas a uma operação, para que assim possa ter uma informação mais completa sobre as diversas possibilidades de cirurgia. Só assim poderá tomar uma decisão que lhe permita recuperar a sua qualidade de vida.